Page 18 - Revista Portuguesa - SPORL - Vol 49. Nº3
P. 18
Em termos de evolução clínica, 100% dos doentes enquanto factores de prognóstico reservado, do que o
necessitou de traqueotomia e VMI para protecção da local de origem da infecção inicial.
via aérea. 72,7% desenvolveu uma infecção respiratória A incidência de infecções cervicais profundas
baixa grave (pneumonia, muitas vezes acompanhada internadas no nosso serviço nos últimos cinco anos
de derrame pleural ou empiema) e 36,4% entrou em foi bastante superior à da literatura 1,3,4 (cerca de três
choque séptico (figura 13). vezes superior). No entanto, não reflecte o número real
de doentes observados no nosso serviço de urgência,
FIGURA 13 já que muitos doentes com patologia infecciosa peri-
Complicações nos doentes do subgrupo “Mediastinites” (FA).
Pneum/derr – pneumonia / derrame pleural; Físt far-cerv – amigdalina (fleimões e abcessos) não são internados,
fístula faringo-cervical; Deisc sut – deiscência sutura cervical; mas submetidos a drenagem sob anestesia local em
PEG – prótese esofago-gástrica; CID – coagulação intra-vascu-
lar disseminada; Choq sépt – choque séptico; TVJ – trombose balcão e mantidos 24h no serviço de observação (SO)
venosa jugular; Traq/VMI – traqueotomia com ventilação a cumprir terapêutica endovenosa, após o que têm alta
mecânica invasiva
para ambulatório ou hospital da área de referência,
desde que tenham alimentação por via oral assegurada
ou apoio de ORL no referido hospital, respectivamente.
A tendência crescente da incidência de infecções
cervicais verificada no nosso estudo e semelhante ao
descrito na literatura4, poderá ser reflexo da: 1) maior
capacidade diagnóstica actual destas infecções; 2) maior
sobrevida dos doentes com morbilidade importante; 3)
resistência crescente à antibioterapia; 4) inadequação
da terapêutica inicial (macrólidos em doses reduzidas
e esquemas posológicos curtos); 5) incumprimento da
terapêutica em ambulatório.
Em termos clínicos, a maioria dos doentes apresentava
uma clínica pouco específica e pouco reveladora da
Houve remissão e cura de oito destes doentes, o que extensão e gravidade do quadro à entrada, sendo a
perfaz uma taxa de mortalidade de 27,3% (3 doentes). febre o parâmetro mais consistentemente presente
O tempo de internamento foi prolongado, com uma nos quadros mais graves (90,9%). Analiticamente, a
média de 55,1 dias. Os casos de morte registaram-se em leucocitose e o aumento da PCR, presentes em 85,9%
doentes com: 1) antecedentes de HTA e/ou etanolismo dos doentes, foram os pârametros mais frequentemente
(nos 3 casos); 2) infecções para e latero-faríngeas; elevados, em especial a PCR.
3) de origem odontogénica (num caso, nos restantes Os espaços peri-amigdalino e para-faríngeo foram
não foi possível apurar a origem). O tempo médio de os mais atingidos, não havendo nenhuma referência
internamento nestes doentes subiu para 156,3 dias.
a atingimento submandibular, contrariamente à
literatura . Tal questão prende-se certamente com
3,4
DISCUSSÃO a existência de um serviço de Cirurgia Maxilo-Facial
A distribuição por idade e sexo dos nossos doentes (CMF) anexo ao de ORL, responsável pelo internamento
foi semelhante à da literatura , constatando-se dos doentes com patologia glandular e nesta área
1-3
predomínio da terceira e quarta décadas de vida e do sexo anatómica. Da mesma forma, o ponto de origem das
masculino. A existência de antecedentes pessoais ditos infecções cervicais identificado na nossa casuística
de “risco” (co-morbilidades tais como HTA, toxicofilia numa percentagem superior à da literatura (85,5%
3,4
ou etanolismo, e patologias imunossupressoras – DM dos doentes), demonstrou uma preponderância das
ou PTT – ou orofaríngeas prévias) verificou-se em infecções orofaríngeas (96,5%) – habitualmente mais
27,2% dos doentes, o que também é semelhante ao típicas da população pediátrica –, em detrimento da
descrito na literatura. Apurou-se um grande relevo origem odontogénica (0,8%), ao contrário do que
dos antecedentes infecciosos orofaríngeos na origem era expectável numa população adulta, segundo a
de infecções cervicais profundas em geral (42%). literatura, e que se poderá justificar novamente por um
No entanto, nos quadros infecciosos mais graves e internamento preferencial no serviço de CMF.
associados a complicações (subgrupo “Mediastinites”), No nosso estudo, houve necessidade de efectuar
ficou patente a importância da imunossupressão e drenagem em 78,5% dos casos (233 doentes), em
co-morbilidades, presentes em 72,7% dos doentes. complemento da terapêutica antibiótica endovenosa.
Postula-se assim uma maior relevância dos mesmos
144 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL

