Page 14 - Revista Portuguesa - SPORL - Vol 49. Nº3
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médico-cirúrgico importante, pela 1) complexidade MATERIAL E MÉTODOS
anatómica da área atingida, com proximidade de Efectuou-se um estudo retrospectivo observacional
estruturas nobres; 2) localização profunda, com difícil analítico dos processos dos doentes internados com
diagnóstico (clínico ou imagiológico) e acesso cirúrgico; o diagnóstico de infecção cervical profunda no nosso
3) morbilidade e mortalidade significativas, associada serviço entre Janeiro de 2004 a Dezembro de 2009,
à comunicação e fácil disseminação da infecção entre seleccionados por pesquisa dos seguintes códigos
espaços 1,3,5 . Grupos de Diagnóstico Homogéneos (GDH): 475
A incidência anual destas infecções não se encontra bem (abcesso peri-amigdalino), 47821 (celulite da faringe
definida, estimando-se que seja rara, embora se assuma e nasofaringe), 47822 (abcesso para-faríngeo), 47824
uma maior incidência em países sub-desenvolvidos e/ (abcesso retro-faríngeo), 47829 (doenças da faringe e
ou com menor acesso a cuidados médicos . nasofaringe), 5283 (celulite ou abcesso da boca), 6821
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Encontra-se descrito na literatura um ligeiro predomínio (celulite ou abcesso do pescoço), 5192 (mediastinite).
do sexo masculino e um pico de incidência na 3ª e 4ª Procedeu-se à avaliação das variáveis demográficas,
décadas 1-3,5 . antecedentes pessoais, apresentação clínica, exames
Antes da era antibiótica, 70% das infecções cervicais complementares de diagnóstico efectuados, terapêutica
profundas tinham origem em infecções peri-amigdalinas e evolução clínica. Foram definidos e caracterizados dois
ou faríngeas . Actualmente, a patologia peri-amigdalina subgrupos, com base na evolução destes doentes – os
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continua o ponto de partida mais frequente na infância, que evoluíram sem complicações e os que apresentaram
enquanto a patologia odontogénica predomina nos complicações, nomeadamente mediastinite necrosante
adultos. No entanto, numa percentagem significativa descendente (“Mediastinites”).
dos casos (20 a 50%), a causa não é identificável, A patologia infecciosa peri-amigdalina (fleimões ou
havendo apenas referência a algumas patologias abcessos) foi considerada infecção cervical profunda à
e comorbilidades dos doentes que facilitam o semelhança de outros estudos da literatura actual ,
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desenvolvimento e disseminação deste grupo de por se tratar de infecções ocorridas no espaço
infecções, tais como a imunossupressão 1,3,5 . peri-amigdalino, pertencente aos planos cervicais
Pela dificuldade de acesso e a agressividade dos profundos e em comunicação com o espaço
1,2
microrganismos envolvidos (muitas vezes múltiplos e parafaríngeo – e, subsequentemente, com todos os
em doentes imunodeprimidos), o tratamento destas outros espaços cervicais profundos, com todos os riscos
infecções implica uma abordagem médico-cirúrgica de complicações inerentes.
precoce, com drenagem dos espaços afectados,
simultânea a terapêutica médica agressiva. Na ausência RESULTADOS
de diagnóstico atempado e tratamento adequado, a Observaram-se processos de 297 doentes, dos quais
evolução é rápida, com ocorrência de complicações 160 do sexo masculino (53,9%) e 130 do sexo feminino
graves, pela sua elevada morbi-mortalidade. A mais (46,1%), entre os 10 e 87 anos, com idade média de
preocupante é a mediastinite resultante de fasceíte 36,7 anos (desvio padrão 15,7 – quadro 1). Metade
necrosante, de elevada mortalidade, pela associação dos doentes (147 – 49,5%) provinha de fora da área
frequente a outras complicações graves, tais como de Lisboa e foi encaminhada para o nosso serviço de
derrame pleural ou pericárdico; pneumonia; choque urgência pelos hospitais da área de referência.
séptico; tromboflebite da veia jugular interna, com
risco de embolia séptica pulmonar; trombose do seio TABELA 1
Caracterização demográfica dos doentes
cavernoso; erosão da artéria carotídea .
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Sexo (%) Idade
OBJECTIVOS M F Média Desvio Mediana
Atendendo ao elevado número de casos que aparecem Padrão
no nosso Serviço de Urgência e na perspectiva de rever Total (n=297) 53,9 46,1 36,7 15,7 32
procedimentos e boas práticas médico-cirúrgicas e “Mediastinites” 63,6 36,4 63,0 13,6 64,0
identificar a existência de possíveis factores de risco (n=11)
para a ocorrência de complicações, procedeu-se a um
estudo retrospectivo dos casos de infecções cervicais Oitenta e um doentes (27,3%) apresentavam ante-
profundas internadas no Serviço de Otorrinolaringologia cedentes pessoais relevantes – 19 (6,4%) com
(ORL) do Hospital de São José nos últimos cinco anos. imunossupressão (diabetes mellitus – DM – e púrpura
trombocitopénica trombótica – PTT); 28 (9,4%) com
co-morbilidades, tais como hipertensão arterial (HTA),
140 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL

