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DISCUSSÃO probabilidade de eficaz hemostase sem assistência médica. A
A epistáxis ocorre em 60% dos adultos durante a sua vida, outra foi com hábitos tabágicos. Nesta amostra, cujos dados
e necessita de tratamento médico 10% das vezes (1,2) . Essa foram baseados em registos de urgência, não nos foi possível
elevada frequência é explicada pela acentuada vascularização quantificar a carga tabágica, embora nos pareça que seja um
nasal, que recebe irrigação sanguínea de ramos provenientes dado pertinente a ter em conta em futuros estudos. Esta
da artéria carótida interna e externa também (3,4) . relação poderá relacionar-se com o facto de haver repetida
Na nossa amostra verificou-se uma maior incidência de exposição da mucosa nasal a substâncias químicas irritantes,
(14)
epistáxis a partir dos 50 anos (75% dos casos), no género com consequente desidratação e fissuração .
masculino (57,7%), na sua maioria idiopática e com foco No nosso Serviço existem vários métodos disponíveis para a
hemorrágico principal na mancha vascular septal (69,6%), hemostase de casos de epistáxis, havendo heterogeneidade
sendo dados que se encontram de acordo com o descrito na na abordagem conforme o Médico e a situação. O método
literatura (1,2,5,6) . mais frequentemente usado foi tamponamento nasal anterior
Relativamente à sazonalidade, verificou-se uma maior com Merocel® (43%), seguido de cauterização com nitrato de
incidência de epistáxis nos meses com temperaturas médias prata (25%), Spongostan® (23,3%) e tamponamento anterior ARTIGO DE REVISÃO REVIEW ARTICLE
mais frias (Dezembro a Março). Tal relação já foi previamente com gazes iodoformadas (11,7%). Em 48,7% dos casos foram
descrita noutros estudos (7,8) , provavelmente devido à maior usadas combinações destas e outras técnicas de hemostase
frequência de infecções do tracto respiratório superior nesta (enumeradas na tabela 3). A aplicação destas técnicas foi
altura, e à maior diferença de temperatura e humidade entre testada individualmente e em combinação, não tendo sido
o interior e exterior dos edifícios, cujo choque térmico e encontrada nenhuma correlação positiva ou negativa com
desidratação por aparelhos de ar condicionado pode levar a maior taxa de recidivas de epistáxis. Na literatura há uma
fissuração de mucosa com consequente epistáxis. Algumas crescente evidencia a favor da cauterização eléctrica ou
séries descrevem também relação com menor humidade (7,8) o química em primeira linha quando o foco hemorrágico for
que não se verificou na nossa amostra. identificado, ficando o tamponamento nasal reservado
Relativamente às comorbilidades estudadas, foi encontrada para casos refractários a esta terapêutica ou cujo foco não
(1,5,13,15–17)
uma correlação positiva estatisticamente significativa se identifique . Existem estudos em que o uso de
entre recidiva de epistáxis e a existência de coagulopatia e tamponamento nasal anterior se relacionou com maior risco
(1)
hábitos tabágicos. Os casos de coagulopatia identificados de recidiva de epistáxis . Em casos cujo controlo hemorrágico
foram doentes seguidos por cirrose hepática, síndromes não seja conseguido com tamponamento anterior e
mielodisplásicos e/ou trombocitepenia, podendo explicar-se posterior, pode ainda ser equacionada angio-embolização
a maior taxa de recidiva de epistáxis nestes doentes como ou intervenção cirúrgica com eventual laquação da artéria
consequência de uma menor capacidade de formação do envolvida (mais frequentemente artéria esfenopalatina ou
(5,15)
coágulo ou menor estabilidade deste . O mesmo mecanismo etmoidal anterior) . Na nossa amostra, houve um caso
(3)
provavelmente também se poderá aplicar aos doentes submetido a embolização e outro submetido a laqueação
que se encontravam sob medicação anticoagulante como cirúrgica de artéria esfenopalatina, ambos sem complicações
varfarina, que nesta amostra apresentaram uma correlação nem posterior recidiva.
positiva estatisticamente significativa com maior recidiva de Neste estudo foi também testada a relação entre recidiva de
epistáxis (5,9) . epistáxis e a prescrição medicamentosa mais frequente aquando
Tem havido alguma controvérsia em torno da relação entre da alta do SU, como ácido aminocaproico, vasoconstritores,
epistáxis e hipertensão arterial (HTA), havendo quem defenda anti-histamínicos, anti-hipertensores, flebotónicos, ansiolíticos,
haver uma relação causal (10,11) , enquanto que outros não suplementos vitamínicos, cicatrizantes de mucosa como
encontraram qualquer relação, tal como na nossa amostra . Dexpantenol. Não foi encontrada correlação com nenhum dos
(4)
Está bem estabelecida a relação entre acidentes vasculares fármacos prescritos.
cerebrais (AVC) e HTA, e foi também já descrita relação entre Nos casos em que foi necessário tamponamento nasal
epistáxis de repetição e maior risco de AVC, podendo a HTA ser anterior (42,1%), o tempo mediano até destamponamento
um factor etiológico comum tanto às epistáxis como a AVC . foi de 4 dias, e o local de destamponamento foi hospitalar
(11)
Tem também havido debate relativamente à toma de em 12,7% dos casos, e no Centro de saúde em 87,3%, não
fármacos antiagregantes e epistáxis (5,11–13) , não tendo sido se tendo verificado diferença estatisticamente significativa
identificada qualquer correlação no nosso estudo, apesar de na recidiva de epistáxis, com a duração de tamponamento ou
alguns autores os apontarem como factores de risco major local de destamponamento.
para epistáxis . Foram ainda encontradas duas outras Foi encontrada correlação negativa estatisticamente
(12)
correlações com maior taxa de recidiva de epistáxis que não significativa entre recidiva de epistáxis e internamento,
encontrámos previamente descritas na literatura: uma foi sendo este um factor protector de recidiva. Esta correlação
com a presença de epistáxis activa no SU (39,3% dos casos). poderá ser devida ao melhor controlo da tensão arterial e de
Tal relação talvez possa ser explicada pelo facto de apenas os alterações da coagulação em meio hospitalar, assim como
doentes com epistáxis de maior gravidade, ainda chegarem a realização de menores esforços físicos pelo doente e uma
ao SU com hemorragia activa, traduzindo uma menor menor exposição a diferenças de temperatura. Acresce ainda
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