Page 68 - Revista Portuguesa - SPORL - Vol 49. Nº3
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consequência paragem cardio-respiratória.         restante  estudo  bioquímico  normal.  Foi  realizada
                                                            tomografia  computorizada  cervical  que  demonstrava
          CASO CLÍNICO                                      edema exuberante da via aérea superior, com extensão
          L.S.B.Q.,  sexo  masculino,  47  anos,  raça  caucasiana,   à  pele,  envolvendo  os  planos  anteriores  à  glândula
          reformado por invalidez (dimuição da acuidade visual)   tiróide (Figura 1).
          previamente  saudável,  fumador  pesado  (40  unidades   Admitido na unidade de cuidados intensivos em contexto
          maço  ano),  hábitos  etílicos  pesados,  consumidor   de pós-paragem cardio-respiratória, foi medicado com
          esporádico  de  haxixe  fumado  (aproximadamente  há   Metilpredisolona (62.5 mg E.V 8/8 h). e antibioterapia
          30 anos), recorre ao serviço de urgência por sensação   empírica  com  Amoxicilina  e  Ácido  Clavulânico  (2.2  g
          de  corpo  estranho  laríngeo  com  cerca  de  5  horas  de   E.V 8/8 h). Verificou-se muito boa evolução clínica com
          evolução.                                         extubação  e  ventilação  espontânea  após  72  horas  de
          Na sala de espera do serviço de urgência, no intervalo   internamento. Score de Glasgow de 15, após suspensão
          aproximado  de  uma  hora,  inicia  as  seguintes  queixas   de sedação, e ausência de outras disfunções ou sequelas.
          com  agravamento  progressivo:  disfagia,  disfonia   Nova  avaliação  por  ORL,  através  de  laringoscópio
          e  dificuldade  em  articular  palavras,  acabando  em   rígido 70º, identifica uma neoformação na face lingual
          dificuldade  respiratória  severa  com  estridor,  que   da  epiglote  com  dois  pontos  de  drenagem  purulenta,
          evoluiu para paragem cardio-respiratória. Deu entrada   com  restante  laringe  e  hipofaringe,  sem  alterações
          na  sala  de  emergência,  onde  foi  reanimado,  após   relevantes (Figura 2).
          suporte ventilatório, inicialmente por máscara facial e   FIGURA 2
          ambu, seguido de entubação orotraqueal, e terapêutica   Laringoscopia rígida 4 dias após ter sido admitido no serviço
          médica com bólus de 0.5 mg de adrenalina e 200 mg   de urgência
          hidrocortisona.
          Ao  exame  objectivo  verificavam-se  adenopatias
          cervicais à direita com características reactivas, e febre
          de 38.1ºC. Foi efectuada uma tentativa de laringoscopia
          através de nasofibroscopia flexível, na qual se verificava
          um acentuado edema supra-glótico que impossibilitava
          uma avaliação adequada da laringe e da hipofaringe.
          Em  termos  analíticos  apresentava  um  síndrome
          inflamatório  sistémico,  com  leucocitose  e  neutrofilia,
          acompanhada  de  aumento  da  proteína  C-reactiva,

         FIGURA 1
         TC cervical com contraste após entubação oro-traqueal na sala
         de emergência.
                                                            Foi  realizada  nova  tomografia  computorizada  cervical
                                                            que  não  demonstrou  mais  alterações  do  que  as
                                                            observadas  à  laringoscopia,  descrevendo  uma  lesão
                                                            abcedada  na  face  lingual  da  epiglote  com  extensão  à
                                                            valécula esquerda.
                                                            Sete dias após ter dado entrada no Centro Hospitalar,
                                                            foi  submetido  a  microlaringoscopia  em  suspensão
                                                            com  exérese  por  dissecção  da  neoformação  na
                                                            sua  totalidade  (Figura  3).  O  exame  histológico  e
                                                            microbiológico confirmou tratar-se de lesão quística de
                                                            aspecto  epidérmico,  cujo  conteúdo  estava  colonizado
                                                            por Escherichia coli.
                                                            O doente teve alta assintomático ao décimo primeiro
                                                            dia  de  internamento  e  manteve-se  em  vigilância  em
                                                            consulta  ORL,  não  havendo  evidência  de  recidiva
                                                            passados  30  meses  da  remoção  do  referido  quisto
                                                            (figura 4).




     194 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL
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