Page 13 - Revista SPORL - Vol 57. Nº4
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planeamento nos casos selecionados para tratamento      foi o Streptococcus pyogenes. Embora várias séries                         ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
cirúrgico. Dado que o AP é normalmente diagnosticado    tenham identificado elevada frequência de infeções
com base na apresentação e exame clínico e confirmado   polimicrobianas nos AP(14), os presentes resultados
com a saída de exsudado purulento após a drenagem, a    podem ter sido afetados pela utilização de antibioterapia
realização de TC é geralmente reservada para os casos   previamente à admissão, eventual introdução de
em que surgem dúvidas diagnósticas ou em pacientes      antibioterapia empírica antes da drenagem cirúrgica
não-colaborantes.                                       e pela possibilidade de falhas no processamento da
Devido ao potencial de disseminação do AP para os       amostra.
espaços cervicais envolventes, a instituição precoce    O tabagismo tem sido associado com um maior risco de
de tratamento é necessária para evitar possíveis        ocorrência de AP(20), possivelmente devido a alteração
complicações. A introdução de antibioterapia eficaz e,  da flora comensal da orofaringe, e com um risco
quando apropriada, a drenagem cirúrgica e tratamento    aumentado de complicações decorrentes de AP(14).
de eventuais complicações são os fundamentos            Nesta série, o tabagismo foi também um fator preditor
essenciais do tratamento dos AP. Neste estudo, a        para a ocorrência de complicações com um OR de 17,00.
maioria dos casos (89,0%) de AP foi submetida a         Este estudo possui diversas limitações devido ao
tratamento cirúrgico do abcesso, através de incisão e   seu caráter retrospetivo. Por um lado, a recolha dos
drenagem sob anestesia local ou drenagem cirúrgica      dados clínicos não ocorreu de forma padronizada,
sob anestesia geral; analisando os doentes tratados     nem os relatórios dos exames imagiológicos, relatados
cirurgicamente que realizaram TC, a maioria (79,7%)     por diferentes radiologistas, foram realizados com
apresentava um abcesso com dimensão superior a          critérios previamente definidos. Por outro lado, a
20mm. A decisão do tipo de tratamento (conservador      decisão sobre o diagnóstico e tratamento adequados
vs cirúrgico) dependeu da preferência do cirurgião,     em cada caso individual foi da responsabilidade de
embora a prática institucional recomende inicialmente   diferentes cirurgiões, existindo uma variação implícita
no grupo pediátrico o tratamento conservador com        no processo de tomada de decisão clínica. Assim, os
ATB por via endovenosa, particularmente em casos        dados recolhidos apontam para um viés de decisão
de AP com dimensões reduzidas, com reavaliação          em relação à instituição de tratamento conservador na
24-48 horas após a admissão. Desta forma, verificou-    faixa etária pediátrica e a drenagem cirúrgica imediata
se que os casos tratados de forma conservadora          em doentes com abcessos de maiores dimensões. Por
pertenceram na sua maioria a doentes da faixa etária    fim, o reduzido número de casos de complicações,
pediátrica com abcessos inferiores a 20mm. O grupo      falência de tratamento e recorrência limitaram o poder
tratado conservadoramente apresentou taxas de           estatístico na deteção de possíveis fatores causais.
falência de tratamento e recorrência semelhantes ao     Estes dados são o resultado de um estudo observacional
grupo cirúrgico. Nesta coorte, existiu maior número de  de pacientes que recorreram a um Serviço de Urgência,
internamentos no grupo sujeito a tratamento médico.     não sendo generalizáveis a outros contextos clínicos.
Atualmente, o tratamento de primeira linha para o AP    Dada o limitado número de casos com falência de
engloba a abordagem cirúrgica e os dados disponíveis    tratamento e/ou recorrência, sugere-se a realização de
relativos à eficácia do tratamento conservador são      um estudo prospetivo, com eventual natureza multi-
limitados(1,13). No entanto, alguns estudos sugerem     institucional, para validar estas conclusões.
taxas de sucesso de 95% com a combinação da
administração de ATB, corticosteroides e medicação      CONCLUSÃO
de suporte tanto em adultos(11,13) como em crianças,    Este estudo reportou as características clínicas e
em casos selecionados(17,18). Com base nos resultados   resultados do tratamento de uma larga série de
apresentados, e em concordância com publicações         abcessos periamigdalinos, em doentes pediátricos
anteriores(13,19), os autores consideram razoável       e adultos. No primeiro grupo as queixas de febre,
a introdução de tratamento conservador com              disfagia, sialorreia, tumefação e dor cervical, associadas
antibioterapia endovenosa em pacientes estáveis e       a sinais como o abaulamento do palato, devem
que, caso seja realizado o TC, evidenciem abcessos com  sugerir a presença de um AP, enquanto nos adultos
dimensão inferior a 20mm. Particularmente, no grupo     a presença de sinais localizadores é mais evidente.
pediátrico é plausível considerar esta estratégia na    Nos casos de AP que receberam tratamento médico
abordagem inicial, reservando o tratamento cirúrgico    exclusivo não foi evidente uma maior taxa de falência
para segunda-linha, diminuindo assim o risco de         do tratamento ou recorrência, embora estes casos
complicações iatrogénicas e a utilização de recursos    pertençam predominantemente ao grupo pediátrico e
logísticos. No entanto, esta abordagem implica a        com abcessos de menores dimensões. Estes resultados
necessidade de vigilância apertada para resolução       sugerem que o tratamento conservador pode ser
atempada dos casos sem melhoria clínica significativa.  considerado inicialmente neste grupo de pacientes sem
Tal como reportado na literatura(5), o microorganismo   comprometer o sucesso clínico. Os pacientes adultos
mais prevalente nos estudos microbiológicos efetuados   e aqueles com abcessos de maiores dimensões devem

                                                                                                 VOL 57 . Nº4 . DEZEMBRO 2019 143
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