Page 10 - Revista SPORL - Vol 57. Nº4
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incidência, existe uma heterogeneidade na prática          referência para a contagem de leucócitos (3,8-10,6
clínica e orientação destes casos, tanto a nível nacional  células/mL) e proteína C reativa (PCR) (<0,5 mg/dL).
como internacional(8,9). O tratamento inadequado pode      A análise dos dados foi realizada com o software SPSS®,
condicionar complicações potencialmente fatais, tais       versão 19.0. As variáveis discretas são apresentadas
como obstrução da via aérea, disseminação da infeção       como frequências e percentagens e as variáveis
para outros espaços cervicais, complicações sépticas e     contínuas são resumidas com média e desvio-padrão
vasculares ou morte(1).                                    (d.p.), ou medianas e intervalo interquartil nas variáveis
O tratamento cirúrgico é geralmente recomendado            com distribuição não-normal. Na comparação entre
na literatura, variando entre a punção aspirativa com      grupos foi utilizado o teste t de Student e o teste U de
agulha ou incisão com bisturi e drenagem, com taxas        Mann-Whitney para variáveis contínuas e o teste qui-
de sucesso próximas de 90%(10). Pelo contrário, alguns     quadrado ou teste Fisher para variáveis categóricas,
autores defendem que o tratamento médico inicial           conforme apropriado. Foi ainda realizada uma regressão
com antibioterapia empírica pode ser uma opção em          logística binária para avaliar possíveis preditores da
pacientes sem compromisso da via aérea, reservando         ocorrência de complicações. A significância estatística
o tratamento cirúrgico para casos sem melhoria             foi assumida para valores de p<0,05.
clínica(11-13).
O objetivo deste estudo foi analisar a epidemiologia,      RESULTADOS
apresentação clínica e orientação terapêutica dos          No período em estudo, foram registados 254 casos de
pacientes pediátricos e adultos com AP, bem como           AP, dos quais 146 do género masculino (57,5%) e 108
comparar os resultados do tratamento conservador e         do género feminino (42,5%), com idades entre os 1 e os
da intervenção cirúrgica no tratamento inicial dos AP e    90 anos (idade média±d.p. 32,8±16,2 anos). Dividindo
identificar possíveis fatores preditores da ocorrência de  os casos de acordo com a faixa etária, 42 casos (16,5%)
complicações.                                              foram incluídos no grupo pediátrico e 212 (83,5%) no
                                                           grupo de adultos (Tabela 1).
MATERIAL E MÉTODOS                                         Ao longo do período de estudo verificou-se uma
Estudo de coorte retrospetivo dos doentes com o            prevalência média de 50,8±9,4 casos por ano, com um
diagnóstico de AP avaliados no Serviço de Urgência         pico de prevalência em 2016 (Figura 1). A distribuição
(SU) do Serviço de Otorrinolaringologia do Centro          sazonal dos casos de AP foi relativamente uniforme,
Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho entre 1 de Janeiro    com 27,6% dos casos registados no Outono, 25,6% no
de 2012 e 31 de Dezembro de 2016. Foram incluídos          Inverno, 21,7% na Primavera e 25,2% no Verão.
pacientes de todas as idades, que recorreram ao SU,        A maioria dos doentes (90,9%) não apresentava
tendo o diagnóstico de AP sido efetuado através do         comorbilidades, tendo sido registados 12 casos (4,7%)
exame clínico e confirmado por aspiração de conteúdo       de diabetes mellitus e 11 casos (4,3%) de hipertensão
purulento/incisão e drenagem cirúrgica ou por              arterial. Os hábitos tabágicos estavam presentes em
tomografia computorizada (TC) do pescoço. Excluíram-       25 casos (9,8%). A ocorrência de episódios prévios
se os doentes transferidos de outras instituições          de abcesso periamigdalino foi reportada em 27 casos
após tratamento e os doentes com fleimão/celulite          (10,6%). Previamente à admissão na urgência, 111 casos
periamigdalino.
Através da consulta dos processos clínicos, foram          FIGURA 1
analisadas e agrupadas as seguintes variáveis: a)          Distribuição anual dos abcessos periamigdalinos
Demográficas: idade, género, estação do ano do episódio;
b) Clínicas: comorbilidades (hipertensão arterial,
diabetes mellitus), hábitos tabágicos, antecedentes
de AP, duração dos sintomas, apresentação clínica,
utilização prévia de antibióticos (ATB), necessidade
e duração de hospitalização, falência do tratamento,
complicações e recorrência; c) Diagnóstico: analítico,
microbiológico e imagiológico; d) Tratamento: médico
ou cirúrgico. De acordo com a faixa etária, os pacientes
foram divididos num grupo pediátrico (idade inferior a
18 anos) e num grupo de adultos (idade igual ou superior
a 18 anos). A falência do tratamento inicial foi definida
como um AP que exigiu tratamento nos primeiros 14
dias subsequentes ao diagnóstico e tratamento inicial.
A recorrência do AP foi definida como o reaparecimento
de nova infeção após 30 dias da resolução clínica.
Na análise laboratorial foram usados valores de

140 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO
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