Page 12 - Portuguese Journal - SPORL - Vol 54 Nº2
P. 12

Nos estadios iniciais, a infecção encontra-se limitada à   por quase 98% de todos os casos . Também no nosso
                                                                                        2,9
          pele e aos tecidos moles do CAE. À medida que progride,   estudo, foi o agente isolado mais frequentemente, numa
          a infecção envolve as estruturas ósseas do osso temporal   percentagem de 83.3% (n=8).
          com osteomielite e, nos estadios mais avançados, pode   A  TC  permite  determinar  a  localização  e  extensão
          estender-se ao longo da base do crânio e/ou apresentar   do  processo  inflamatório,  apresentando  elevada
                           1
          invasão intracraniana . Pode ocorrer paralisia de nervos   sensibilidade  para  a  erosão  óssea  cortical,  pelo  que
          cranianos, como resultado da secreção de neurotoxinas   continua  a  ser  o  exame  complementar  de  escolha
                                                                                    5,6
          ou  do  efeito  compressivo  do  processo  destrutivo.  O   na  avaliação inicial  da  OEN .  No presente estudo, a
          nervo facial (VII par craniano) é habitualmente o primeiro   avaliação imagiológica por TC revelou em todos os casos
          nervo craniano a ser afectado devido à sua localização   extensão local ao CAE e extensão lateral (periauricular),
          no osso temporal, com a paralisia resultando tipicamente   observando-se  erosão  óssea  do  CAE  em  66.7%  (n=6)
          da  extensão  do  processo  inflamatório  ao  buraco   dos casos.  A  presença  de  sinais  de  destruição ósteo-
                      5,7
          estilomastoideu .  A  progressão  da  inflamação  pode   cartilaginosa  na  TC  é,  deste  modo,  um  achado  muito
          ocasionar envolvimento dos nervos cranianos baixos (IX,   sugestivo de OEN, devendo alertar para este diagnóstico
          X, XI e XII) ao nível do buraco lácero posterior e do canal   num  doente  com  otite  externa.  Contudo,  o  facto  da
          condiliano anterior. A extensão do processo inflamatório   remineralização  óssea  continuar  após  a  resolução  da
          ao  ápex  petroso  pode  resultar  em  parésia  dos  V  e  VI   infecção limita a utilização da TC no follow-up da OEN 10,11 .
          pares cranianos .  A paralisia  de nervos  cranianos  foi   A RM fornece menor detalhe ósseo comparativamente
                       5
          um achado  raro na nossa  série  de casos.  Contudo,  a   à TC, contudo permite avaliar com maior sensibilidade
          paralisia  de  nervos  cranianos  em  doentes  com  otite   a extensão do processo infeccioso para os espaços naso
          externa,  particularmente  se  refractária  à  terapêutica   e parafaríngeo, intracraniano  e retrocondilar, tendo-
          habitual, é muito sugestiva de OEN, representando um   se revelado  essencial  na avaliação destes espaços
          sinal  de  gravidade  deste  tipo  de  infecção.  A  parésia   anatómicos nos casos descritos. Deve,  por isso,  ser
          do  nervo facial  nem sempre  reverte  com a resolução   usada como complemento à TC sempre que se suspeite
          do  processo  infeccioso, não  devendo  ser usada  como   de extensão do processo inflamatório a estes níveis 11,12 .
          indicador de sucesso terapêutico. Já os restantes pares   Também a RM não deve ser usada para avaliar a resposta
          cranianos  apresentam  boas  taxas  de  recuperação  com   dos  doentes ao tratamento .  A  cintigrafia  com  67Ga
                                                                                   13
          o tratamento . As complicações intracranianas  podem   é  um  método  muito  sensível  mas  não  específico,  que
                     5
          incluir meningite, abcesso cerebral e trombose de seios   concentra o seu sinal positivo nas áreas de inflamação,
          venosos durais. Estas são habitualmente fatais e refletem   apresentando  utilidade  no  diagnóstico  inicial,  na
                                 5
          progressão severa da doença .                     avaliação  da  evolução  do  processo infeccioso  e na
                                                                                             14
          Apesar  de  ser  sobretudo  clínico,  o  diagnóstico  de   decisão  de  interrupção  da  terapêutica .  A  cintigrafia
          OEN  deve  ser  apoiado  por  testes  laboratoriais,  exame   com  Tc-  99m,  por  sua  vez,  demonstra  a  existência  de
          microbiológico e  estudos  de imagem.  A  avaliação   alterações da actividade osteoblástica (≥ 10% acima do
          laboratorial deve incluir glicémia, creatinina, leucograma,   normal), apresentando utilidade na avaliação inicial dos
          VS  e PCR.  É  fundamental  a avaliação  da  função  renal,   doentes com suspeita de osteomielite. No entanto, pode
          particularmente nos doentes diabéticos. Tipicamente a   apresentar alterações durante meses  após  a resolução
          OEN cursa com elevação marcada da VS, pelo que este   do quadro, devido ao processo de reparação óssea, pelo
          parâmetro laboratorial apresenta utilidade no diagnóstico   que não pode ser usada na monitorização da resposta à
          e na avaliação da resposta à terapêutica 2,4,6,8 . Na nossa   terapêutica 15,16 .
          série, 66.7% (n=6) dos doentes apresentou VS elevada,   Os  exames  de  imagem  são  particularmente  úteis  na
          com um valor médio de 66.5 ± 18.9 mm/h comparável   determinação da extensão do processo inflamatório, no
          ao descrito noutros estudos, tendo-se observado   entanto apresentam baixa especificidade na diferenciação
          diminuição gradual  da VS com a evolução clínica   entre a OEN e outras entidades patológicas que podem
          favorável.  A  contagem  de  glóbulos  brancos  encontra-  apresentar sintomas semelhantes,  nomeadamente
          se habitualmente normal  ou  apenas  moderadamente   tumores malignos do CAE, da nasofaringe e da base do
          elevada apesar da natureza agressiva da infecção1,5. De   crânio.  Nestes  casos, a realização de biópsia cirúrgica
          facto,  observou-se  leucocitose  em  apenas  33.3%  (n=3)   profunda  é  mandatória,  sendo  a  ausência  de  tumor
          dos casos, pelo que parece não ser um bom indicador   maligno critério diagnóstico para OEN .
                                                                                           2
          de  severidade.  A  colheita  de  exsudado  auricular  deve   O tratamento da OEN deve incluir a correcção, se possível,
          ser realizada idealmente antes do início da terapêutica   da imunossupressão quando  presente e  o controlo
          antibiótica.  Contudo,  na  abordagem  inicial  recorre-se   da  glicémia  nos  doentes  diabéticos.  É  fundamental  o
          frequentemente  à  antibioterapia  empírica  local  e/ou   tratamento local do CAE, que deve consistir na limpeza
          sistémica para a otite externa, o que pode alterar a flora   e na aplicação tópica de agentes antimicrobianos. A cura
          do CAE e justificar a negatividade de alguns dos exames   desta  infecção  depende  de  um  diagnóstico  precoce  e
          culturais.  A Pseudomonas  aeruginosa  é o agente mais   um tratamento  agressivo .  Considerando  que  o agente
                                                                                 4
          frequentemente  implicado  na  OEN,  sendo  responsável   mais frequentemente  envolvido é  a Pseudomonas

       82  REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL
   7   8   9   10   11   12   13   14   15   16   17