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No 13º dia pós-operatório procedeu-se à laqueação da devido ao advento de novas técnicas endovasculares
carótida primitiva direita após rutura espontânea e perda com apoio angiográfico, normalmente executadas pela
massiva da volemia. (Fig. 4) especialidade de radiologia de intervenção. 2
As técnicas não invasivas de exclusão da carótida (embolização
FIGURA 4 ou oclusão por balão) acarretam o risco de recorrência
Solução de continuidade na parede da carótida primitiva hemorrágica e de complicações isquémicas cerebrais em 15
a 20% dos doentes. 1,2,4 São efetuadas em doentes com risco
reduzido de isquémia cerebral determinada pela realização
prévia de um teste de oclusão carotídeo. 1,3,4
Geralmente não é possível realizar este procedimento em
situação de rutura aguda. 1
Mesmo após a triagem inicial, nas técnicas de oclusão do
lúmen com balão esperam-se complicações imediatas, como
sejam a rutura de pseudoaneurismas durante o tratamento, ou
complicações a longo/médio prazo, como sejam a danificação
ou deslocamento do balão ou isquémia tardia por oclusão da CASO CLÍNICO CASE REPORT
carótida interna. 1
Os doentes que não toleram o teste de oclusão são
considerados para realização de técnicas construtivas. 3
As técnicas construtivas com apoio de angiografia (colocação
de stents) têm ganho popularidade porque permitem a
No pós-operatório imediato e à data da alta o doente manteve revascularização, diminuindo a incidência de acidentes
os sinais vitais e status neurológico normalizado. isquémicos. 2,3,5
Não se observaram sinais neurológicos focais a médio/longo As técnicas de preservação de lúmen estão previstas em
prazo ou hemorragia após a laqueação da artéria carótida casos em que o Polígono de Willis se encontra incompleto,
primitiva. a carótida contralateral esteja ocluída ou em caso de rutura
aguda da carótida onde não é possível realizar as provas de
DISCUSSÃO tolerância à oclusão da artéria carótida, prévia à utilização de
A incidência de rutura da carótida ocorre em 3-4% dos técnicas de encerramento do lúmen com balão. 1
doentes com cancro da cabeça e pescoço. 1,2,4 Associa-se No entanto, as complicações tardias, como a recidiva
a complicações neurológicas em cerca de 60% e tem uma hemorrágica, trombose ou oclusão arterial, devem ser
mortalidade de 40%. 1,2,4 Como fatores predisponentes consideradas. 1,3
encontram-se a existência de fístula mucocutânea, recidiva Estas técnicas não se prevêem eficazes em casos em que se
tumoral, radionecrose, infeção local, exposição a saliva, observa o atingimento de um segmento extenso da artéria
dissecção cervical radical com remoção da fascia carotídea, carótida primitiva. 4
necrose dos retalhos com exposição carotídea, persistência Em face de presença de infeção, e no contexto de radionecrose
ou recorrência tumoral. 1,2,3,4 e fístula mucocutânea, a existência de corpo estranho resulta
A exposição a radioterapia resulta numa probabilidade quase invariavelmente na infeção e persistência da mesma por
aumentada de rutura da carótida em 7.6 vezes nestes colonização da prótese. Inibe, em consequência, a formação
doentes. 2,4 de neo-intima, promovendo a trombose arterial. 1,2
O tratamento de hemorragia aguda da cabeça e pescoço Apesar dos avanços no tratamento do síndrome de rutura
inclui a exploração cirúrgica, tratamento endovasculares que carotídea, os princípios da atuação inicial perante a situação
se baseiam na oclusão do lúmen do vaso por embolização aguda mantêm-se inalterados: controlo da via aérea, controlo
(técnicas destrutivas) ou na preservação do lúmen através da hemorragia através da compressão local e reposição da
da reconstrução com próteses vasculares (técnicas volémia. 1
construtivas). 3,4,5 Muito embora a taxa de recidiva da rutura da carótida
O tratamento cirúrgico pode-se considerar tecnicamente com a colocação de stent – técnica construtiva - seja de
difícil, pela exploração num doente instável e reparação 44%, na embolização – técnica destrutiva – de 10%, e na
de estruturas num campo irradiado, infetado e por vezes laqueação cirúrgica de 25% , em situação de emergência o
3
encontrando-se as estruturas vasculares em leito tumoral. 1,2 tratamento mais eficaz e de menor morbilidade será uma
A laqueação da carótida primitiva é o procedimento técnica construtiva não invasiva, permitindo o controlo
habitualmente utilizado em situações de emergência com da hemorragia e a preservação do lúmen, com o objetivo
complicações neurológicas subsequentes em cerca de 60% secundário de reforço estrutural da parede carotídea na
dos doentes. 1 tentativa de prevenção de novas ruturas: os vasos submetidos
Nas últimas décadas verificou-se a redução da morbilidade a radioterapia exibem fibrose rádica multifocal, com necrose
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