Page 46 - Revista Portuguesa - SPORL - Vol 50 Nº1
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preservação de órgão no tratamento de tumores da laringe   anos após o tratamento inicial é um dos “endpoints” que se
          com indicação cirúrgica.                          recomenda avaliar em futuros protocolos de preservação de
          Cirurgia  do  pescoço: Esta série reforça a importância do   laringe . Na presente série, aos 2 anos de seguimento havia 5
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          esvaziamento cervical electivo em doentes com tumores   doentes falecidos, mas todos os vivos estavam descanulados
          supraglóticos com pescoços cN0 (com recomendações   (taxa de descanulação aos 2 anos: 100%). Sete doentes
          da NCCN nesse sentido ). Dos 13 doentes cN0, 9 (69,2%)   ainda não tinham 2 anos de seguimento, mas já estavam
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          revelaram posteriormente metástases cervicais, enquanto   descanulados na última consulta.
          Esposito  et  al. , também em tumores supraglóticos   Entubação  nasogástrica  e  gastrostomia  percutânea
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          com indicação para LHS encontraram 27% de pescoços   endoscópica: Outro dos pontos de análise importantes é a
          clinicamente falsos negativos. No mesmo estudo18 27% eram   capacidade e deglutição com protecção da via aérea baixa. É
          cN+ e 40% pN+ enquanto na presente série 59,4% eram cN+   sabido que o tratamento dos tumores supraglóticos com LHS
          e 78,1% pN+. Paradoxalmente também se observaram no   introduz alterações significativas no mecanismo da deglutição,
          nosso estudo 3 doentes com massas cervicais palpáveis cuja   de tal forma que quase todos os doentes após a cirurgia ficam
          anatomia-patológica não revelou metástases, fenómeno   com maior ou menor grau de aspiração, conseguindo a maior
          também descrito por Esposito et al. em 23% dos seus cN+.   parte tolerar quase todo o tipo de alimentos sem complicações
          Excepto em 2 doentes que realizaram RT neo-adjuvante, todas   pulmonares significativas . Apesar disto, a taxa de doentes
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          os esvaziamentos cervicais foram bilaterais dado o risco de   com alimentação não oral  permanente (com  manutenção
          metastização bilateral dos tumores supraglóticos .  de PEG ou SNG) na presente série foi de 31,2%, enquanto
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          Anatomopatologia e tratamento complementar: De um modo   Sessions et al8 reportaram uma taxa de alimentação não oral
          geral, para a realização de uma cirurgia oncologicamente   permanente pós LHS de 7,9%, Karatzanis et al.  uma taxa de PEG
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          segura são necessárias margens a pelo menos 2cm da lesão,   permanente de 10,3% e Laccourreye et al.  uma taxa de 0%.
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          do ponto de vista macroscópico . Por vezes não é possível   Esta taxa de 31,2% parece ser elevada relativamente a outras
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          alargar intra-operatoriamente as margens a essa distancia.   séries. Admite-se como causa possível não só a necessidade de
          Quando é estudada anatomopatologicamente a peça   cirurgia alargada em 34,4% dos casos (de resto traduzida por
          operatória deve ter margens cirúrgicas a 5mm ou mais do   uma associação estatisticamente significativa entre cirurgia
          tumor para estas poderem ser consideradas seguras . À luz   alargada e persistência de SNG ou PEG por período superior a
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          destas considerações apenas 14 (43,8%) das peças operatórias   90 dias com p=0,032), como também o facto todos os doentes
          tinham margens seguras. Este aspecto, juntamente com a   com alimentação  não  oral  permanente terem realizado  RT
          elevada taxa de pN+ (78,1%) esteve na base da elevada taxa   ou QRT (excepto um com indicação para RT mas que deixou
          de doentes propostos para tratamento complementar com RT   de comparecer às consultas). Admite-se que as alterações
          ou QRT.                                           anatómicas pós-cirúrgicas associadas às alterações induzidas
          Traqueotomia: Uma das questões que acarreta maior   pela RT possam ter reduzido a possibilidade de alimentação
          morbilidade na laringectomia total, quer do ponto de vista   oral. Também a persistência de SNG ou PEG durante 2 ou mais
          fisiológico, quer do ponto de vista psicológico, é a presença   anos após tratamento inicial é proposta de “endpoint” para
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          da  traqueostomia definitiva.  Nesta série  todos  os doentes   avaliar a qualidade de protocolos com preservação de órgão .
          acabaram por retirar a cânula de traqueotomia, excepto um   Nesta série, aos 2 anos, 5 doentes estavam falecidos e 17 vivos
          que faleceu 4 meses após a cirurgia no contexto de AVC peri-  dos quais 3 tinham PEG (taxa de alimentação oral aos 2 anos:
          operatório, mas cuja causa de morte foi atribuída à progressão   82,4%).  Sete  não alcançaram  um  seguimento  mínimo de 2
          da doença oncológica. Outro doente, a quem foi retirada a   anos (estando 2 com SNG e 1 com PEG).
          cânula ao 12º dia pós-operatório, requereu laringectomia   Complicações  pós-operatórias: Nenhuma das complicações
          total mais de 5 anos depois do tratamento inicial por recidiva   pós-operatórias deixou sequelas aos doentes e todas foram
          local. Considerámos estes 2 doentes como não descanulados   resolvidas durante o internamento inicial, excepto o doente
          obtendo uma taxa de descanulação = 93,8% cumprindo um   vitima de AVC peri-operatório que acabou por falecer por
          dos objectivos últimos da cirurgia com preservação de órgão.   progressão  da  doença  oncológica,  mas  no  contexto  da
          Herranz et al.  obtiveram uma taxa de descanulação de 91,6%   morbilidade associada ao AVC.
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          em 110 LHS, Karatzanis et al.  uma taxa de 86,3% em 29 LHS e   Recidivas  locais: Observaram-se 2 recidivas locais (6,3%),
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          Sessions et al.  uma taxa de 93% em 403 LHS. Não foi possível   valor não distante do de outras séries: 7,6% (Adamopoulos et
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          obter dados quanto à qualidade vocal pós-cirúrgica, mas dado   al. ) e 10,9% (Herranz et al. ).
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          o não envolvimento glótico quer do tumor, quer da extensão   Estadiamento clínico e cirurgia: Observaram-se 7 divergências
          cirúrgica, é expectável que os doentes tenham mantido   (21,9%) entre a classificação clínica cT registada nos processos
          a capacidade da fala com melhor ou menor qualidade. A   (consulta e imagiologia) e a classificação anatomopatológica
          presença ou ausência de traqueotomia durante 2 ou mais   pT. Se a classificação cT guiou a proposta cirúrgica, só intra-


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