Page 38 - Revista Portuguesa - SPORL - Vol 48 Nº4
P. 38

Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN) e 1   evocados. Por sua vez, os potenciais evocados auditivos
          a 3 em cada 1000 na ausência de factores de risco. 1,3  do tronco cerebral, avaliam as respostas bioeléctricas
          É  sobejamente  reconhecido  que  a  surdez  afecta  de   da via retro-coclear. 14
          forma significativa a aquisição da fala, linguagem, nível   O programa de rastreio deve ser constituído por uma
          académico e desenvolvimento emocional e social.   equipa  multidisciplinar  que  envolva  otorrinolarin-
          O  desenvolvimento  e  organização  da  via  auditiva,   gologistas, pediatras, audiologistas e enfermeiras.
          tal  como  das  restantes  vias  sensitivas,  depende  da   O RANU no grupo de RN sem risco conhecido deverá,
          sua  experiência  sensorial.  A  ausência  de  estímulos,   segundo  as  recomendações  do  GRISI,  recorrer  a  OEA
          como  na  surdez,  impede  o  crescimento  normal  e   e/ou  PEA.  Fica  organizado  em  várias  fases  (Fig.  1),
          estabelecimento  precoce  de  sinapses  necessárias   de  acordo  com  o  binómio  “pass/refer”,  a  iniciar  no
          para  uma  organização  funcional  da  via  auditiva.   No   berçário/maternidade e findar antes dos 4 meses.
                                                    4
          desenvolvimento  precoce,  em  “períodos  críticos”   A neuropatia auditiva, caracterizada por OEA normais
          onde  a  plasticidade  neuronal  é  maior,  o  estímulo  da   e  PEA  ausentes,  pode  atingir  15-20%  dos  RN,  é
          via  auditiva  é  essencial  com  vista  à  diferenciação  e   usualmente  verificada  no  RN  internados  na  UCIN. 15,16
          organização tonotópica ao nível do córtex cerebral. 5,6  Consequentemente,  o  RANU  dos  RN  internados  na
          As  morbilidades  da  surdez  podem  ser  diminuídas,   UCIN deverá incluir avaliação audiométrica inicial por
          ou  mesmo  eliminadas,  através  de  uma  detecção  e   OEA e PEA (Fig. 2), ao contrário dos RN saudáveis em
          reabilitação  precoces.  Vários  estudos  revelam  que  o   que as metodologias se processam em série.
          diagnóstico  e  intervenção  apropriada  antes  dos  seis   O presente estudo pretendeu avaliar o rastreio auditivo
          meses de idade melhora a aquisição da linguagem e fala,   neonatal  realizado  no  Hospital  de  São  João  nos
          comparativamente aos 18 meses, com repercussão nos   primeiros 12 meses após a sua implementação.
          níveis de desenvolvimento geral, motor, da linguagem,
          social e emocional. 7-10                          MATERIAL E MÉTODOS
          O início do rastreio auditivo pré-escolar remonta a 1957   O  estudo  consistiu  numa  avaliação  retrospectiva  do
                       11
          no Reino-Unido.  A aplicação em RN nesse país iniciou-  rastreio auditivo neonatal realizado no Hospital de São
          -se em 1985. Nos Estados Unidos a sua implementação   João no período de Maio de 2007 a Junho de 2008.
          é devida, em grande parte, a uma dedicação pioneira   Foram englobados os RN internados no berçário e na
          da  audiologista  Marion  Downs.  Mais  recentemente,   UCIN (>48h de internamento) submetidos a avaliação
          outros  rastreios,  denominados  universais  neonatais,   audiométrica  por  OEA  complementada  sempre  que
          foram  implementados  pela  primeira  vez  em  Rhode   indicado por PEA.
          Island (1989), Hawaii (1990) e Colorado (1993). 12  A  análise  audiológica  incluiu  OEA  transitórias,  PEA
          Em  Portugal,  o  Grupo  de  Rastreio  e  Intervenção  da   automáticos e de diagnóstico.
          Surdez  Infantil  (GRISI)  recomenda  a  implementação   A  colheita  de  dados  incidiu  na  avaliação  global  do
          de  programas  de  rastreio  auditivo  neonatal  universal   rastreio,  identificação  e  caracterização  dos  RN  com
                13
          (RANU).  Dessa forma, seguindo os preceitos do Joint   patologia uni ou bilateral.
          Comitee  on  Infant  Hearing,  todas  as  crianças  devem
          ser  testadas  ao  nascer  ou,  no  máximo  até  aos  30   RESULTADOS
          dias de vida. No caso de perda auditiva confirmada, a   Antes da alta hospitalar 2428 (98%) dos RN internados
          intervenção deve ser precoce e adaptada, até aos seis   no  berçário  foram  submetidas  a  avaliação  por  OEA
          meses de idade.                                   (Fig 3). Cerca de 90% (2183) passaram nesta primeira
          O programa de rastreio universal tem como objectivo   fase  do  rastreio.  Os  10%  (245)  remanescentes
          principal a detecção de perda auditiva igual ou superior   foram  referenciados  para  avaliação  subsequente  em
          a 35 dB no melhor ouvido em todos os RN, com ou sem   Otorrinolaringologia. Nesta 2ª fase, as crianças que não
          factores de risco.                                passaram  no  “re-test”  por  OEA  foram  encaminhadas
          Dois  métodos  de  exame  electro-fisiológicos  existem   para  estudo  complementar  por  PEA.  Aqui,  foram
          para alcançar este objectivo: as otoemissões acústicas   identificados  três  recém-nascidos  com  patologia
          (OEA)  e  os  potenciais  evocados  auditivos  do  tronco   unilateral  (0,1%)  e  nenhum  apresentava  hipoacusia
          cerebral  (PEA).  Estes  métodos,  inócuos  e  de  fácil   bilateral.  Dos  RN  com  patologia  identificada,  um
          aplicação, são complementares, avaliando segmentos   apresenta  fusão  incudo-maleolar  detectada  por
          distintos  da  via  auditiva.  As  otoemissões  acústicas,   tomografia computorizada (TC) dos ouvidos, o segundo
          avaliam  a  vibração  das  células  ciliadas  externas  da   foi  referenciado  para  consulta  de  Genética  Médica
          cóclea  em  resposta  a  estímulos  espontâneos  ou   por  antecedentes  familiares  de  surdez  congénita,  o



     208 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL
   33   34   35   36   37   38   39   40   41   42   43