Page 38 - Revista Portuguesa - SPORL - Vol 60. Nº4
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de comorbilidades que os doentes já teriam        os nossos resultados endoscópicos com os
          previamente. 19                                   da literatura, os achados de uma revisão
          Também seria previsível que um número             sistemática em 2017 por Brodsky et al.,  que
                                                                                                    10
          substancial de doentes relatasse sintomas         encontrou  21% de  incidência  de paralisia
          relacionados com refluxo faringolaríngeo, dado    unilateral das cordas vocais, estão de acordo
          que muitos foram sujeitos à posição prone na      com os 25% (2 doentes) do nosso estudo, e
          UCI e foi sugerido que o refluxo faringolaríngeo   2,7% de paralisia bilateral, contrariamente
          se poderia correlacionar com piores resultados    aos nossos 0%. No entanto, todos os doentes
          clínicos da COVID-19.  No entanto, apenas         incluídos na revisão sistemática foram
                                20
          29% dos doentes obteve uma pontuação              avaliados dentro de 2 semanas após extubação,
          >13 na escala RSI (indicativo de sintomas de      mais cedo do que no presente trabalho, sendo
          refluxo  faringolaríngeo).  Podemos presumir      provável que a imobilidade das pregas vocais
                                  13
          que o refluxo já estaria resolvido no momento     melhore espontaneamente, nalguns doentes,
          da nossa consulta. No entanto, é fulcral avaliar   ao longo do tempo. Por outro lado, no estudo
          o  refluxo  faringolaríngeo  nesta  população,  já   citado anteriormente, que possuía uma
          que as evidências sugerem que pode agravar        amostra de 775 doentes, com uma média de
          lesões laríngeas. 21                              intubação de 8,2 dias, difere largamente dos
          Neste estudo, 29% (4 doentes) relataram           24 dias deste estudo.
          disfagia  no    questionário   EAT-10    com      Uma das limitações deste estudo foi o facto
          pontuação > 2, no entanto, estavam todos já       de não ter existido um tempo padrão após
          a realizar uma dieta normal, sem restrições       a  alta hospitalar  para  avaliar  os doentes, ou
          (100% com FOIS de 7). Este facto vai ao encontro   seja, apesar de todos os doentes terem sido
          da discrepância já conhecida entre diferentes     avaliados com mais de 2 meses após a alta
          escalas  de  classificação  de  disfagia.  Apesar   hospitalar, não foram todos avaliados com o
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          de realizarem uma dieta normal, 5 dos 8           mesmo período de tempo após a alta, o que
          doentes apresentaram valores de velocidade        pode ter tido interferência nos resultados
          de deglutição considerados anormais no WST,       dos questionários e nos achados da avaliação
          indicativos  de  uma  anomalia  fisiológica  da   endoscópica. Outra das fragilidades foi a
          deglutição. Tal poderá sugerir um aumento         pequena amostra disponível, tanto pela
          da incidência de disfagia nestes doentes com      exaustão hospitalar dos doentes que estiveram
          infeção grave a COVID-19.  Em contrapartida,      internados por longos períodos de tempo,
          dado que não temos nenhum teste realizado         como pelo facto do nosso hospital ser um
          aos doentes antes da infeção a COVID-19, será     hospital terciário que recebe a população de
          difícil tirar ilações precisas. Seria um bom teste   uma área abrangente do nosso país, levando a
          se comparássemos os resultados individuais        uma menor adesão por parte dos doentes que
          de cada doente antes e após (traqueotomia e       residem a longas distâncias.
          ventilação prolongada) a infeção a COVID-19 e
          constatássemos que tinha havido um aumento        Conclusão
          dos  valores da  capacidade  de deglutição        Os   resultados   preliminares    do   estudo
          após COVID, excluindo pré-existências. É,         mostram uma elevada incidência de lesões
          também, do nosso conhecimento que a idade         laríngeas entre os doentes traqueotomizados
          e algumas co-morbilidades poderão interferir      que estiveram sob VMI durante a pandemia
          na deglutição, pelo que este teste só deveria     da Covid-19. São, contudo, necessários estudos
          ser considerado em doentes que não tivessem       com amostras significativas e estudos a longo
          qualquer alteração prévia da deglutição,          prazo,  incluindo  em doentes com COVID-19
          apresentassem a mesma idade e não                 não traqueotomizados e com grupos de
          apresentassem comorbilidades associadas,          controlo de doentes sem COVID-19, para se
          no entanto, tal não foi possível. Comparando      poder tirar mais ilações.



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