Page 49 - Revista Portuguesa - SPORL - Vol 60. Nº2
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Otorráquia como complicação tardia de cirurgia
otológica
Joana Maria Soares Ferreira Leandro Ribeiro Nuno Medeiros Cristina Aguiar António Faria de Almeida Manuel Sousa
Óscar Alves Artur Condè
RESUMO INTRODUÇÃO
Apresentamos o caso de uma fístula de líquido cefalorraquidiano A otorráquia é um sinal clínico que representa a saída
e meningoencefalocelo como sequelas tardias de cirurgia de líquido cefalorraquidiano (LCR) pelo canal auditivo
otológica. Este artigo tem como objetivo alertar para esta externo . Pode ter origem congénita ou adquirida, esta
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condição clínica rara, as suas manifestações, diagnóstico e última, por sua vez, classificada em traumática, não
tratamento, assim como para as potenciais complicações do 1
seu não reconhecimento precoce. Descrevemos o caso de um traumática ou espontânea . O diagnóstico pode ser claro,
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homem de 81 anos, com antecedentes de cirurgia otológica na presença de uma causa evidente . Contudo, na sua
há 20 anos, que recorreu ao serviço de urgência por otorreia ausência, é necessário um elevado índice de suspeição CASO CLÍNICO
com um mês de evolução e refratária ao tratamento médico. de forma a evitar complicações potencialmente
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Objetivamente, apresentava uma otorreia incolor e que fatais . O tratamento depende da etiologia subjacente
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aumentava com manobra de valsava, associada e uma lesão podendo ser conservador ou cirúrgico . Neste artigo,
polipoide a ocupar o canal auditivo externo. Foi realizada uma os autores apresentam um caso raro de fístula de
tira-teste que foi positiva para glicose. A TC dos ouvidos e a LCR e meningoencefalocelo otológicos identificados
RMN craniana revelaram a presença de meningoencefalocelo clinicamente e tratados cirurgicamente, apresentando
na cavidade timpânica associado a um defeito osteo-dural ao uma breve revisão da literatura.
nível do tégmen timpani. O doente foi tratado cirurgicamente,
com sucesso, através de uma abordagem combinada
envolvendo uma equipa multidisciplinar. DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO
Palavras-chave: otorreia de líquido cefalorraquidiano; Doente do sexo masculino, 81 anos, caucasiano, com
meningoencefalocelo craniano; procedimentos cirúrgicos antecedentes pessoais de mastoidectomia radical
otológicos esquerda, no contexto de otite média crónica com
colesteatoma, realizada há 30 anos noutra instituição,
tendo ficado cofótico desse ouvido desde essa altura.
Recorreu ao serviço de urgência de Otorrinolaringologia
do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho por
otorreia esquerda com cerca de um mês de evolução,
refratária à antibioterapia instituída (amoxicilina e
ácido clavulânico 875/125 mg). Negava febre, otalgia,
Joana Maria Soares Ferreira
Serviço de Otorrinolaringologia, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia e Espinho, Portugal cefaleias, outras queixas otológicas ou neurológicas.
Não apresentava história de traumatismo recente.
Leandro Ribeiro
Serviço de Otorrinolaringologia, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia e Espinho, Portugal Ao exame objetivo, apresentava uma otorreia ativa, de
médio débito, aquosa e incolor e que aumentava com a
Nuno Medeiros
Serviço de Otorrinolaringologia, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia e Espinho, Portugal. manobra de valsalva. (Figura 1A e B)
A otomicroscopia revelou uma lesão polipoide na
Cristina Aguiar
Serviço de Otorrinolaringologia, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia e Espinho, Portugal. parede postero-superior do canal auditivo externo,
que impossibilitava, pelas suas dimensões, a
António Faria de Almeida
Serviço de Otorrinolaringologia, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia e Espinho, Portugal visualização da membrana timpânica. O restante exame
otorrinolaringológico e o exame neurológico sumário
Manuel Sousa
Serviço de Otorrinolaringologia, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia e Espinho, Portugal não revelavam alterações. Mediante a suspeita de uma
fístula de LCR, foi realizada uma tira-teste da amostra de
Óscar Alves
Serviço de Neurocirurgia, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia e Espinho, Portugal otorreia que foi positiva para glicose.
(Figura 2 A e B)
Artur Condè
Serviço de Otorrinolaringologia, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia e Espinho, Portugal Foi solicitada Tomografia Computorizada (TC) dos
ouvidos que revelou a presença de uma lesão de tecidos
Correspondência moles que ocupava a mastóide, a cavidade timpânica
Joana Maria Soares Ferreira e o canal auditivo externo. A lesão destruía o scutum
joana_msf@hotmail.com
e apresentava solução de continuidade ao nível do
Artigo recebido a 11 de Novembro de 2021. Aceite para publicação a 25 de Janeiro de 2022. tégmen timpani. (Figura 3 A e B)
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