Page 36 - Revista SPORL - Vol 58. Nº2
P. 36
Behbahani et al. analisou os casos clínicos cujos dados encaminhada pela Dermatologia para o Grupo de
foram introduzidos na National Cancer Database (NCDB) Cirurgia de Cabeça e Pescoço. O doente seguiu os
entre 2004-2016, no maior estudo demográfico até à protocolos de diagnóstico e tratamento de lesão
data em indivíduos com diagnóstico de porocarcinoma parotídea primária. O diagnóstico histológico definitivo
écrino. A idade média ao diagnóstico foi de 66 anos, foi porocarcinoma écrino. O grupo especula que, face
sem preponderância de género, com os membros ao contexto, a análise histopatológica de novembro
inferiores a perfilarem-se como local preferencial para de 2017 pode ter condicionado um diagnóstico de
apresentação (32,6%), seguido da cabeça e pescoço carcinoma espinhocelular que não correspondia à
(28,8%). 8,1% dos indivíduos apresenta evidência de realidade.
doença metastática aquando do diagnóstico.5 Não existem recomendações concretas na literatura
O porocarcinoma tem uma aparência macroscópica relativamente às margens adequadas para a resseção
inespecífica, sem particularidades, de um nódulo de de porocarcinomas écrinos. Envolvimento linfático
coloração rosa, ocasionalmente ulcerado, que deve e margens cirúrgicas infiltradas apresentam uma
ser distinguido de vários outros tipos de neoplasias influência dramática na probabilidade de recidiva
cutâneas, incluindo o poroma écrino e o melanoma local10 e fatores como índice mitótico elevado, invasão
amelanótico, e cujas características dermatoscópicas linfovascular e invasão em profundidade > 7mm são
não se encontram atualmente bem definidas.8 Assim, preditores de pior prognóstico.3
a análise histológica tem um papel insubstituível no Devido à alta taxa de recidiva local, o tratamento
seu diagnóstico. Histologicamente, o porocarcinoma recomendado é a excisão da lesão primária com margens
écrino apresenta diferenciação ductal, clusters de alargadas livres de células neoplásicas.13 No entanto,
células basalóides, células escamosas tumorais, células uma vez que o correto diagnóstico pré-operatório
epidérmicas acantóticas e núcleos hipercromáticos7. destas lesões é raro, o adequado planeamento cirúrgico
Dadas as múltiplas características patológicas está muitas vezes comprometido. Assim, alguns autores
pouco específicas, pode ser confundido com outras recomendam cirurgia de revisão para alargamento
neoplasias cutâneas, nomeadamente com carcinoma das margens quando é feito um diagnóstico de
espinhocelular,9 sendo necessário um elevado índice porocarcinoma écrino, nos casos com padrão muito
de suspeição para o seu correto diagnóstico. Luz et al. infiltrativo.10 Diversos autores associam um esquema
analisou retrospetivamente 8 casos de porocarcinoma de quimioradioterapia adjuvante se metástases ou em
écrino e concluíu que, após a biópsia inicial, 50% casos de recidiva tumoral.7
dos doentes tiveram um diagnóstico incorreto, com No presente caso, sugere-se como hipótese mais
tempo médio de 36 meses até tratamento definitivo provável uma recidiva tumoral desenvolvida na
num centro de referência oncológico.10 Numa série profundidade da derme que posteriormente invadiu o
de 24 doentes, Belin et al. reporta uma taxa de erro tecido glandular, mimetizando uma neoplasia primária
no diagnóstico de porocarcinoma écrino de 37%, com da parótida. Infiltração da glândula parótida está apenas
21% inicialmente diagnosticados como carcinoma descrita em três casos na literatura. Fasson et al. relata
espinhocelular.11 Uma vez que as células luminais do um doente que previamente tinha efetuado excisão
acrosíringeo são do tipo escamoso, a sua presença numa de dois basaliomas na mesma região facial. Um outro
neoplasia écrina é expectável, e a sua identificação pode relato revela metastização para a glândula parótida 8
contribuir para o diagnóstico errado de um carcinoma meses após excisão de porocarcinoma écrino na região
espinhocelular, entidade clínica muito mais frequente.3 frontotemporal ipsilateral.14 O terceiro caso consiste
O trabalho de Skowron F et. Al., que procedeu à análise numa lesão de porocarcinoma écrino de grandes
clinicopatológica de 50 casos de porocarcinoma écrino dimensões, de crescimento lento mas constante durante
histologicamente confirmado, concluiu que este não anos, que invadia a glândula parótida, condicionando
apresenta qualquer critério clínico particular que o parésia facial à apresentação.15
distinga de um carcinoma espinhocelular.12
O caso clínico apresentado denota o desafio diagnóstico CONCLUSÃO
que o porocarcinoma écrino pode impôr. Em novembro Reportamos o caso clínico raro de um porocarcinoma
de 2017 foi realizada uma biópsia excisional de écrino primário, cuja apresentação mimetiza um tumor
lesão cutânea esbranquiçada com discreto relevo e primário da glândula parótida.
parcialmente ulcerada na região parotídea direita, O caso descrito traduz a importância da abordagem
com 1,7 cm de maior diâmetro, cuja análise histológica destes doentes por uma equipa multidisciplinar,
revelou ser um carcinoma espinhocelular invasor realçando a necessidade de rever pormenorizadamente
bem diferenciado, que infiltrava a derme em 2,5 mm, os antecedentes do doente. Uma relação estreita com
sem invasão vascular ou perineural. Em consulta de o patologista é determinante no correto diagnóstico
seguimento, aos 12 meses, e subjacente à mesma desta neoplasia rara.
região, é diagnosticada uma tumefação de crescimento
lento, indolor, sem qualquer lesão cutânea, que foi
84 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO

