Page 6 - Revista SPORL - Vol 57. Nº4
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JORGE CANHA DENTINHO SÓNIA PIRES MARTINS
INTERNO DE FORMAÇÃO ESPECÍFICA EM INTERNA DE FORMAÇÃO ESPECÍFICA EM
OTORRINOLARINGOLOGIA NO CENTRO HOSPITALAR
OTORRINOLARINGOLOGIA NO HOSPITAL GARCIA DE ORTA UNIVERSITÁRIO SÃO JOÃO
EDITORIAL
Compensar, no futuro, o que agora estamos a perder Os internos e os especialistas de todo o país partilharam,
através de grupos nacionais, as dificuldades sentidas,
Estamos numa época de enormes desafios. Manter a ideias, artigos científicos e conselhos, ainda antes
qualidade da formação durante o internato é um dos que de existirem normas de orientação para a nossa
mais se salienta e impõe. especialidade. Foi de facto admirável o espírito de missão, a
solidariedade e a entreajuda dos Otorrinolaringologistas,
Os médicos internos de Otorrinolaringologia estão que permitiu a preparação de todos para este surto. Isso
na linha da frente nos Serviços de Urgência. A nossa orgulha-nos.
especialidade, pelo contacto quase certo com a via aérea
na observação das fossas nasais, cavidade oral e orofaringe Contudo, o que aprendemos com este surto pode não
e na realização de procedimentos como aspiração nasal, compensar as perdas que tivemos na nossa formação,
endoscopias ou traqueostomias, pode ser considerada que são muitas. São importantíssimas e não devem ser
uma profissão com alto risco de contaminação. Por esquecidas.
isso, é essencial sabermos que os doentes têm o teste
de COVID-19 feito, o seu resultado, e procedermos com Perdemos estágios já marcados ou que estavam
cuidados minuciosos e detalhados em relação à proteção a decorrer. Perdemos tempo de bloco operatório.
de doentes e profissionais. No início, esta necessidade Perdemos tempos de consultas. Perdemos formações,
era mal compreendida por outros profissionais. Mas cursos, congressos. Perdemos, em muitos casos, a
o caminho está a fazer-se, indubitavelmente de forma oportunidade de apresentar trabalhos que já estavam
positiva. preparados.
Aprendemos, em pouco tempo, muito sobre esta nova Tentamos atenuar estas perdas escrevendo artigos,
doença: a sua epidemiologia, os seus sintomas atípicos estudando, preparando trabalhos para o futuro,
(nos quais os Otorrinolaringologistas de todo o mundo remarcando os estágios, fazendo planos para ir a outros
tiveram um papel fundamental, ao integrar a disgeusia e cursos no futuro, se o tempo restante no internato nos
a anosmia como sinais de alarme) e todos os pormenores permitir.
dos equipamentos de proteção individual. Aprendemos
que a noção de anatomia, à qual estamos tão habituados Os doentes graves continuam a aparecer, e em fases de
e tomamos como óbvia, não o é para outros profissionais doença mais graves e desafiantes. Apesar de todas as
de saúde. Por isso tivemos, tal como os especialistas, contingências e dificuldades logísticas, fazemos o melhor
o sentido de missão de transmitir esse conhecimento por eles, salvando vidas. Com eles aprendemos - e muito.
anatómico para a correta colheita de secreções da Não sabemos como será o futuro no prazo de um a dois
nasofaringe para o teste de SARS-COV2. E alguns de nós anos, e não sabemos se conseguiremos restituir estas
tivemos de reaprender como é estar num serviço de perdas na nossa formação. Sabemos, sim, que está a
urgência geral.
136 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO

