Page 24 - Portuguese Journal - SPORL - Vol 54 Nº2
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verdade, o risco de disfonia pós cirúrgica, utilizando uma   MATERIAIS E MÉTODOS
          técnica meticulosa com identificação do nervo laríngeo   Foram recolhidos e analisados retrospetivamente 176
          recorrente,  é  atualmente  reduzido,  com  uma  incidência   processos, de doentes submetidos a cirurgia da tiróide no
          que  varia  entre  0,4-2,5%  nos  centros  de  referência.  Na   serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do
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          verdade, outros mecanismos podem afetar a qualidade vocal   Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, no período
          dos pacientes, entre eles a lesão do nervo laríngeo superior,   de  Janeiro  de  2005  a  Dezembro  de  2014.  Foram  excluídos
          inflamação do nervo pós-operatória, congestão vascular e   13  doentes  submetidos  a  cirurgia  tiroideia  no  contexto
          edema laríngeo, traumatismo do músculo cricotiroideu ou   de faringo-laringectomia concomitante. Foram analisados
          da articulação cricoaritenoideia, traumatismo laríngeo pós   dados demográficos (como a idade, sexo), o tipo de cirurgia
          intubação e mesmo fixação laringo-traqueal na sequência de   (tiroidectomia  parcial/tiroidectomia  total/totalização de
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          fibrose pós-cirúrgica . O risco de disfonia tem sido descrito   hemitiroidectomia), complicações cirúrgicas, diagnóstico
          de  forma  muito  variável  em  diversos  estudos,  com  alguns   clínico /citológico que motivou a tiroidectomia, a presença
          citando riscos inferiores a 0,25 e outros riscos superiores a   de disfonia precoce e tardia. Foram também registados
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          13,2%. , sendo que estas taxas díspares estão relacionadas   diagnósticos histológicos da peça operatória e eventual
          em parte com a forma inconsistente com que as complicações   relação  com  disfonia,  uma  vez  que  doença  maligna  está
          são registadas. Mais se acrescenta ainda que a grande maioria   associada com maior risco de disfonia pós operatória.
          dos  estudos  raramente  especifica  a  extensão  da  cirurgia   Dentro da variável “Diagnóstico clinico/citológico,” optamos
          (hemi/tiroidectomia total). As próprias definições de disfonia   por dividi-la em Tumor folicular, Bócio Multinodular/
          temporária e permanente  variam  consoante  os  estudos.   Uninodular e Biópsia aspirativa percutânea (BAP) da tiróide
          Por  exemplo,  Havas  et  al  consideram  disfonia  permanente   suspeita/  inconclusiva.  No  que  à  variável  diagnóstico
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          aquela que dura mais de 6 meses após a cirurgia , enquanto   histológico diz respeito, dividimo-la em “Carcinoma papilar,
          Wagner  and  Seiler  consideram  ser  necessário  um  período   Carcinoma  folicular, Doença benigna (Adenoma/Hiperplasia
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          até 18 meses . A maioria dos estudos considera contudo,   folicular/Tiroidite/Nódulo colóide), Carcinoma medular.
          12  meses  como  o  período  razoável  para  recuperação  da   Posteriormente procurámos analisar a associação estatística
          voz, (dado ser o período previsível de reinervação laríngea   entre a extensão da cirurgia da tiróide e de neoplasia maligna
          espontânea, permitir eventual compensação contralateral,   com a presença de disfonia.
          entre outros) apesar de praticamente não existirem estudos   A  análise  descritiva  e  estatística  foi  feita  com  o  programa
          com este tempo de seguimento. 17,18 .             informático Statistical Package for the Social Sciences (SPSS)
          Segundo as guidelines da American Academy of      versão  21.  A  análise  da  relação  das  variáveis  categóricas,
          Otolaryngology  Head  and  Neck  Surgery  de  2013,  na   nomeadamente da disfonia com o tipo de cirurgia e com
          abordagem pré-cirúrgica, deverá ser feita uma avaliação da   neoplasia maligna foi feita utilizando tabelas de contingência
          qualidade  vocal  por  questionários  validados,  avaliação  por   e  o  teste  Qui quadrado/Teste de  Fisher.  Como  medidas de
          médico Otorrinolaringologista e/ou Terapeuta da Fala. Se   força de associação foram utilizadas o Risco Relativo (RR) e
          nesta avaliação for identificada alguma alteração vocal, a   percentagem de risco atribuível (PRA).
          mesma  deverá  ser  documentada  com  avaliação  objectiva   Considerou-se como significância estatística valores de
          da mobilidade laríngea. Não sendo identificada nenhuma   p<0,05.
          alteração  da  qualidade  vocal,  há  circunstâncias  em  que  a
          mobilidade laríngea deverá ser objectivamente documentada:
          a)- Paciente com cancro da tiróide e suspeita de envolvimento   RESULTADOS
          extra-tiroideu ou b) Paciente com história de cirurgia cervical   Quanto às características demográficas dos pacientes, a idade
          prévia. . Segundo as guidelines da British Tjyroid Association,   mediana correspondeu a 53 anos, sendo que 25% dos doentes
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          deve ser feita a avaliação da mobilidade laríngea pré-cirurgica   têm mais de 61 anos. Cento e trinta e oito doentes (85%) são
          quando há suspeita ou confirmação de cancro da tiróide,  e   do sexo feminino e 24 doentes do sexo masculino (15%).
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          pós cirúrgica quando uma disfonia persiste após 2 semanas   Analisámos  os  doentes  com  base  no  motivo  da  cirurgia
          da cirurgia. . Os autores recomendam que deva ser feita   tiroideia, dividindo-os em 3 grupos:- tumor folicular
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          sempre uma avaliação pré e pós cirúrgica da qualidade vocal   diagnosticado  em  BAP  da  tiróide;  -doentes  com  bócio
          e mobilidade laríngea.                            multinodular com sintomas compressivos e com impacto na
          O grande objetivo deste trabalho é documentar a   vida do doente, nomeadamente disfagia, dispneia; e doentes
          incidência,  duração  e  relação  da  disfonia  com  a  extensão   que apresentavam BAP com características suspeitas ou
          da cirurgia tiroideia num período de 10 anos no Serviço de   inconclusiva. Como demonstrado no gráfico 1, obtiveram-se
          Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do Centro   30% dos casos com tumor folicular em BAP, 45% dos casos
          Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho.  Para  além  de  dados   bócio multinodular / uninodular e 25% BAP  inconclusiva/
          demográficos  da  população,  foram  analisadas  outras   suspeita.
          complicações relacionadas com a cirurgia.         Das complicações registadas, identificaram-se oito casos de
                                                            hipoparatiroidismo definitivo (5%), dois casos de hematoma
                                                            cervical pós cirúrgico que resolveram em menos de uma



       94  REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL
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