Page 26 - Portuguese Journal - SPORL - Vol 54 Nº2
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2015, os processos dos 5 doentes. Na laringoscopia, 4 deles suprimento vascular e drenagem venosa da laringe e não
apresentavam parésia unilateral da corda vocal com boa pode ser excluído que, mesmo nos pacientes com preservação
compensação contra-lateral e os sintomas não tinham impacto do nervo laríngeo recorrente, a sua manipulação cirúrgica e
no dia-a-dia dos mesmos, mantendo-se em vigilância; 1 doente alteração vascular possa causar alteração temporária da sua
foi proposto para fonomicrocirurgia com lipoinjecção bilateral função. Com efeito é possível que todos estes fatores possam
das cordas vocais, com melhoria do quadro fonatório que se ter algum sinergismo, o que dificulta perceber e detetar a
mantém estável à data. Em centros de elevada experiência a importância relativa de cada um destes fatores. Por todas
incidência de lesão do nervo recorrente ronda o intervalo de estas razões é de extrema importância tentar preservar o
0,4-2,5% . No entanto, é importante também realçar o facto NLR. A lesão do NLR, ao cursar com disfunção da musculatura
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de que numa tiroidectomia total/totalização, a abordagem laríngea, gera dispneia em 75% dos casos com paralisia
cirúrgica envolve dois nervos laríngeos recorrentes, o que unilateral de uma corda vocal (PUCV), disfagia em 56% dos
diminuiria para metade a taxa de disfonia permanente casos (com 44% dos casos com aspiração documentada) com
obtida no grupo TT. Obteríamos assim uma taxa de lesão do PUCV. Não deixa de ser também importante estudar o perfil
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NLR de aproximadamente 2%, corroborando as baixas taxas psicológico, contextos social e profissional de cada paciente,
previamente demonstradas. uma vez que há situações com paralisia do nervo com pouca
Identificaram-se mais casos de disfonia em doentes com interferência na qualidade de vida do paciente, enquanto
tiroidectomia total ou totalização de tiroidectomia prévia, outras pequenas alterações na qualidade vocal, podem ter
comparativamente a doentes com tiroidectomia parcial, o grande impacto na qualidade de vida.
que vai de encontro ao descrito na literatura. Contudo, apesar Assim sendo, qualquer paciente submetido a cirurgia
das taxa de disfonia serem superiores nos doentes com maior tiroideia, deve ser informado da possibilidade de disfonia pós
extensão cirúrgica, sabe-se hoje que a tiroidectomia total operatória, mesmo que não se verifique lesão do NLR.
não cursa necessariamente com taxas mais elevadas de lesão Neste estudo, identificámos vieses de informação do doente
do nervo laríngeo recorrente (NLR) comparativamente com e do observador, na sequência de que pode ter ocorrido
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tiroidectomia parcial. No entanto, quando há necessidade a possibilidade de alguns doentes terem tido ténues
de reintervenção cirúrgica por doença maligna da tiróide, a mudanças na voz que não valorizaram ou não terem sido
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incidência de lesão do NLR pós operatória é superior. . devidamente valorizadas pelo médico. Há também fatores
Na verdade constatamos que a taxa de disfonia nos doentes de confundimento na análise dos dados, por exemplo, não
submetidos a tiroidectomia total/totalização foi superior a tendo sido considerada, por ausência de registos, as varáveis
tiroidectomia parcial, embora sem significância estatística fumador, refluxo faringo-laríngeo e ansiedade, que de alguma
para valor de p <0,05. Contudo, o valor de p obtido de 0,077 forma poderiam ter influência na qualidade vocal.
foi muito próximo do valor de significância, o que significa
que alargando o intervalo de confiança para 10-90% e CONCLUSÃO
considerando valor de p significativo de 0,10, já teríamos Para além da hipocalcemia, a disfonia é a complicação mais
valores estatisticamente significativos. Talvez com uma frequente na sequência das cirurgias à tiróide. Neste estudo
amostra populacional ligeiramente maior conseguíssemos obtivemos também, a par do que está descrito na literatura,
valores de p <0,05. uma baixa taxa de disfonia pós cirúrgica. Também constatamos
Neste estudo observamos que a taxa de disfonia nos doentes que mais casos de disfonia foram relatados em doentes
com neoplasia maligna é de 17,9% o que vai de encontro submetidos a tiroidectomia total/totalização e em doentes
às taxas identificadas em outros estudos . Neste grupo de com neoplasia, nomeadamente pacientes com carcinoma
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doentes, na laringoscopia, encontraram-se alguns sinais como papilar da tiroide.
arqueamento das cordas vocais, hipomobilidade das cordas A importância da Otorrinolaringologia impõe-se assim de
vocais, tendo estes apresentado recuperação completa ao fim forma inequívoca nesta área uma vez que, a par do tratamento
de um ano; dentro do grupo de doentes com cancro, a taxa de da patologia de base, tem a capacidade de lidar e tratar as
disfonia foi mais elevado nos doentes com carcinoma papilar. complicações cirúrgicas
Como realçado previamente, foi obtida significância estatística
com valor de p <0,05 para a associação entre carcinoma Protecção de pessoas e animais
papilar e disfonia, o que vai também de encontro aos estudos Os autores declaram que os procedimentos seguidos
prévios. estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos
Não podemos esquecer contudo, a etiologia multifatorial da pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica
disfonia pós tiroidectomia. Durante a cirurgia, os músculos e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da
esterno-tiroideu e tiro-hioideu podem, por exemplo, ser Associação Médica Mundial.
lesados com a retração lateral ou com dissecção, o que
pode também contribuir para algum grau de disfonia. Há Confidencialidade dos dados
alguns autores que, por exemplo, consideram que o músculo Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro
esterno-tiroideu pode ser um potenciador do pitch vocal. . de trabalho acerca da publicação dos dados de doentes.
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Por outro lado, a remoção da glândula tiroideia modifica o
96 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL

