Page 29 - Revista SPORL - Vol 58. Nº1
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doentes com dislipidemia (34.9% vs. 61.8%, p=0.02) e         após CIT de resgate.3 Apesar de ligeiramente inferiores,                   ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
insuficiência vascular periférica (7% vs. 29.4%, p =0.03)    os nossos resultados suportam o uso de CIT após falência
foi superior no grupo de doentes que não recuperou.          do tratamento primário.
Verificou-se tendência para maior incidência de curva        A avaliação global do sucesso terapêutico evidenciou
audiométrica ascendente no grupo de doentes com              ganhos auditivos médios de 22.1 dB e taxa de recuperação
recuperação (83.3% vs. 17.7%, p = 0.054).                    global de 56%. Os nossos resultados estão de acordo
Na análise multivariada foram introduzidas as variáveis      com os descritos na literatura.3 Contudo, em cerca de 1/3
categóricas estatisticamente significativas (tabela 5). O    da população (32.5%, N=25) não se verificou qualquer
modelo contendo o tempo de evolução dos sintomas e a         ganho auditivo.
gravidade da hipoacusia à admissão foi significativo [X2(2)  A gravidade da hipoacusia à admissão é um fator de
= 28.9; p < 0.001, R2 Cox & Snell = 31%, R2 Nagelkerke       prognóstico reconhecido por vários autores.6, 17, 18
= 42%). De acordo com esta análise, os doentes com           Os nossos dados são concordantes com a literatura
hipoacusia profunda à admissão (OR=16.9, IC 95% 2.8 –        e evidenciaram melhores LTM à admissão no grupo
102.9, p=0.002) e tempo de evolução da sintomatologia        que apresentou sucesso terapêutico (58.9% vs 76.6%,
≥ 7 dias (12.50, IC 3.4 – 46.7, p < 0.001) apresentaram      p=0.01). O grau de hipoacusia está relacionado com a
pior prognóstico para recuperação dos limiares auditivos.    extensão da lesão do ouvido interno e com o número
Não foram identificadas outras variáveis independentes       de células ciliadas residuais.19 A hipoacusia profunda
preditivas de sucesso auditivo.                              (>90 dB) é um fator de mau prognóstico, com taxas de
                                                             recuperação baixas, independentemente da terapêutica
DISCUSSÃO                                                    instituída.20 De acordo com a literatura publicada,
A corticoterapia sistémica (CS) é o tratamento de primeira   20 a 40% destes doentes apresentam algum grau de
linha mais frequentemente usado e a sua eficácia deve-       recuperação e apenas 3.6% recuperação completa.16
se à redução da inflamação do ouvido interno.3 O seu         A análise dos nossos dados revelou uma diferença
uso foi proposto por Wilson et al, após descrever taxa       significativa entre a taxa de sucesso terapêutica da
de sucesso superior com CS comparativamente ao               hipoacusia profunda comparativamente à moderada
grupo de placebo (78% vs. 38%).1 No nosso estudo, a          (20% vs. 70.6%). A hipoacusia profunda à admissão foi
avaliação audiométrica após tratamento primário com CS       um fator independente de prognóstico desfavorável (OR
evidenciou um ganho auditivo médio de 18.8 dB e uma          = 16.9, p=0.002). O tempo decorrido até à instituição do
taxa de recuperação auditiva de 48.1%. Estes resultados      tratamento é considerado um dos fatores de prognóstico
são concordantes com os obtidos por outros autores, que      mais importantes.5, 6, 18, 21 O nosso estudo mostra que os
reportam taxas de recuperação entre 49 a 89% com CS.1, 8     doentes com sucesso terapêutico apresentaram menor
Atualmente, o tratamento inicial com CS é opcional.3 Esta    duração de sintomas comparativamente ao grupo sem
recomendação tem por base a recuperação espontânea           recuperação (3.6 vs. 7.3 dias, p=0.01). Vários autores
observada na SNSI (35% - 65%)1, 5 e a ausência de            descrevem melhores taxas de recuperação auditiva em
diferenças significativas entre tratamento inicial com       doentes tratados nos primeiros 7 dias comparativamente
CS e placebo.3 A corticoterapia intratimpânica (CIT)         aos que se apresentam posteriormente (56% vs. 27%,
apresenta um papel progressivamente mais importante          respetivamente).6, 13, 18, 21 O nosso estudo suporta estes
no tratamento da SNSI. Estudos em modelos animais            achados (69.1% vs. 30.9%, p<0.001).22 O início tardio
mostraram que administração intratimpânica, e                de tratamento foi um dos fatores independentes de
subsequente absorção ao nível da janela oval, permite        prognóstico desfavorável (OR=12.5, p=0.001). Contudo, na
obter concentrações superiores, no ouvido interno,           interpretação destes dados devemos ter em consideração
comparativamente à administração sistémica.15 Para           a evolução natural da doença, que apresenta elevada taxa
além disso, devido a uma baixa absorção sistémica pode       de recuperação espontânea.6 Doentes com tratamento
ser utilizada em doentes com contra-indicação para           precoce podem recuperar devido à terapêutica instituída
CS.3 A CIT tem eficácia semelhante à CS quando usada         ou devido à recuperação espontânea natural da doença,
em monoterapia como tratamento de primeira linha.3           mais frequente nas primeiras duas semanas. Por outro
Okada et al não encontraram diferenças estatisticamente      lado, a apresentação tardia reflete uma doença que não
significativas na taxa de sucesso de doentes tratados        recuperou espontaneamente e, consequentemente,
inicialmente com CS (60.3%), CIT (62.8%) ou com placebo      um processo patológico mais grave com prognostico
(53.8%). Contudo quando usada como terapia de resgate        presumivelmente menos favorável.5, 6 O tratamento
oferece melhoria auditiva adicional em 37 a 48% dos          tardio pode ser ineficaz devido ao carácter permanente
casos.3, 16 Assim, a sua utilização está indicada como       das lesões.20 As doenças sistémicas, tais como a HTA,
tratamento sequencial após falência do tratamento            DM e dislipidemia podem influenciar negativamente o
primário.3, 11 Neste estudo verificou-se ganho auditivo      prognóstico. No nosso estudo verificou-se menor taxa
superior no grupo de CIT comparativamente ao grupo de        de recuperação nos doentes com dislipidemia (p=0.02) e
controlo (8.4 dB vs. 0.7 dB, respetivamente, p < 0.05). Na   doença vascular periférica (p=0.03). A maior prevalência
literatura, estão descritos ganhos auditivos até 13.3 dB     de comorbilidades está associada a microangiopatia

                                                                                                          VOL 58 . Nº1 . MARÇO 2020 27
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