Page 26 - Revista SPORL - Vol 58. Nº1
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intratimpânica (CIT) permite obter elevada concentração média de 4 frequências (0.5, 1, 2 e 4kHz). A configuração
no ouvido interno com reduzida absorção sistémica e audiométrica foi classificada em plana, descendente,
está preconizada como tratamento de resgate.3, 9-11 ascendente ou com predomínio frequências médias.
A recuperação auditiva parece ser influenciada por Os resultados audiométricos foram avaliados de acordo
vários fatores incluindo a idade, o grau de hipoacusia à com os critérios de Siegel, descritos na tabela 1.14 Para
admissão, a configuração audiométrica, a presença de a avaliação do sucesso terapêutico e dos fatores de
vertigem e a duração da sintomatologia até à instituição prognóstico, os doentes foram categorizados em grupos
terapêutica.12,13 Este estudo tem como objetivos de sucesso (recuperação total e parcial) e insucesso
avaliar a eficácia da corticoterapia no tratamento da (recuperação ligeira e sem recuperação), de acordo com
SNSI e identificar fatores preditores de recuperação os resultados audiométricos ≥ 3 meses após o tratamento.
audiométrica. Os dados demográficos avaliados incluíram a idade,
género e presença de hábitos tabágicos. A avaliação clínica
MATERIAL E MÉTODOS englobou a sintomatologia de apresentação e tempo
Estudo retrospetivo, no qual foi realizada revisão dos de progressão dos sintomas. Foram colhidos dados da
processos clínicos de 77 doentes com diagnóstico de SNSI, história médica pregressa de hipertensão arterial (HTA),
entre Janeiro de 2009 e Dezembro de 2018, no serviço diabetes mellitus (DM), dislipidemia e doença vascular
de ORL do Hospital Senhora da Oliveira – Guimarães. periférica (DVP). A análise estatística foi realizada com
Foram incluídos doentes com hipoacusia neurossensorial o programa Statistical Package for the Social Sciences®
unilateral, ≥ 30dB em 3 frequências contíguas, num (SPSS, versão 24.0 for MacOS), com aplicação de testes
intervalo inferior a 72 horas, sem etiologia identificada. Qui quadrado e teste t de amostras independentes. Foi
Excluíram-se todos os casos com episódios prévios de realizada análise de regressão logística para determinar
surdez súbita, antecedentes de cirurgia otológica e/ou os fatores independentes associados a recuperação
com etiologia presuntiva definida (doença de Menière, auditiva. O nível de significância estatística adotado foi
neoplasia retrococlear, malformação congénita do ouvido de p < 0.05.
interno, fístula perilinfática ou administração recente de
fármacos ototóxicos). Também foram excluídos doentes RESULTADOS
com dados audiométricos incompletos ou com tempo de Este estudo incluiu 77 doentes, 43 (56%) dos quais do
seguimento inferior a 3 meses. sexo feminino, com idade média de 48.6 ± 16.8 anos.
Todos os doentes foram tratados inicialmente com A duração média dos sintomas foi de 5.2 ± 6.1 dias. As
CS (prednisolona oral, 1mg/kg/dia com dose máxima características demográficas e clínicas da população
de 60 mg/dia) durante 7 dias, seguida de esquema de estão representadas na tabela 2. Para além da hipoacusia,
desmame. Os doentes com hipoacusia profunda ou com 17 (22%) doentes apresentaram vertigem à admissão.
único ouvido funcional foram internados e medicados Relativamente às comorbilidades, a dislipidemia e
com dose equivalente de dexametasona intravenosa. hipertensão arterial foram as mais frequentes, presentes
Foi proposto tratamento de resgate, no final da primeira em 36 (47%) e 31 (40%) doentes, respetivamente. A
semana de tratamento sistémico, aos doentes que avaliação audiométrica inicial revelou LTM de 65.5 ± 19.8
não apresentaram recuperação completa (limiares dB. A maioria apresentou hipoacusia moderada (45.5%)
tonais médios > 25 dB e/ou > 10 dB relativamente e configuração audiométrica plana (63%).
ao ouvido contralateral). O protocolo de tratamento A avaliação audiométrica ao sétimo dia de tratamento
incluiu uma injeção semanal de dexametasona (0.4 com CS, evidenciou LTM de 47.8 ± 26.7 dB (tabela 3).
mg/mL) com avaliação audiométrica seriada, prévia a Comparativamente aos LTM à admissão, verificou-se
cada administração. O tratamento terminou quando a uma melhoria estatisticamente significativa de 18.9 dB ±
audição recuperou completamente ou após a terceira 15.3 dB (p=0.01) e recuperação completa em 24 (31.2%)
administração. doentes (tabela 3 e 4). A CS apresentou eficácia de
Os limiares tonais médios (LTM) foram calculados pela 49.4%. Dos 54 doentes com recuperação incompleta, 25
aceitaram tratamento de resgate. Verificou-se melhoria
TABELA 1 PTA Final < 25 dB ou < 10 dB auditiva de 8.6 dB no grupo de CIT e de 0.7 dB no grupo
Critérios de Siegel relativamente ao ouvido contralateral de controlo (FIgura 1A). Esta diferença, a favorecer o
grupo de CIT, foi estatisticamente significativa (p=0.002).
Recuperação Ganho auditivo > 15 dB A avaliação audiométrica final evidenciou ganho auditivo
Completa (RC) e PTA Final 25 – 45 dB de 22.1 ± 16.4 dB e taxa de sucesso terapêutico global de
55.9% (RC, 36.4% e RP, 19.5%) (figura 1B).
Recuperação Ganho auditivo > 15 dB Com base nos resultados auditivos finais, a população
Parcial (RP) e PTA Final > 45 dB foi divida em grupo com sucesso terapêutico que incluiu
43 (55.8%) doentes e grupo com insucesso terapêutico
Recuperação Ganho auditivo < 15 dB constituído por 34 (44.2%) doentes. Foi realizada análise
Ligeira (RL) e PTA Final > 75 dB de regressão logística binária para avaliar os fatores
Sem recuperação
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